Entrevista com…
Com 81 anos de idade, o Sr. Necas recorda a primeira profissão que teve: Ferrador. “Havia 4 na freguesia”, recorda, “pois naquele tempo os transporte eram todos feitos com bois”. Foi esta profissão que lhe trouxe algumas mais valias no tempo de tropa. Depois de casar, e porque com a chegada dos camiões deixou de haver serviço para os ferradores, tirou a carta de ligeiros. “Corri o Alentejo e os mercados todos a vender bacelo (para o Sr Adriano sardinheiro). Depois o patrão começou na sardinha e continei a trabalhar para ele. Depois tirei a carta de pesados e fui trabalhar para o Toneca, no transporte de madeira”.
O Sr. Necas é ainda conhecido por ter conduzido a ambulância do Centro Social e Paroquial, e pelas funções de sacristão que desempenhou durante o tempo do Pe. Ferreira, e um ano com o Pe Pedro.
Notícias da Caranguejeira (NC) – Da sua expreiência como sacristão, como recorda os tempos da Quaresma e da Páscoa.
Manuel Barbosa (MB) – Eram vividos com mais devoção, com mais fervor. Da visita pascal recordo-me que as pessoas davam um folar ao padre e outro ao sacristão. Depois isso acabou e o padre no fim dava-me dava-me qualquer coisa. Era raro eu andar a pé. Eu é que andava a conduzir e outros acompanhavam o padre.
Recordo esse tempo com muita satisfação. Andava sempre satisfeito.
NC - E as celebrações da Semana-Santa?...
MB - Antigamente havia sempre muita gente nessas celebrações. Muito mais que agora. Não havia bancos na igreja. As mulheres sentavam-se no chão, outras em pé… Depois o Pe. Ferreira é que mandou pôr os bancos na igreja.
Albina Ferreira (AF) – Nas celebrações da Semana-Santa na paróquia havia mais devoção, mais oração, mais penitência. Havia vários dias de confissão e sempre durante o dia. Havia muita gente a confessar-se nessa semana, e sobretudo na sexta-feira, pois não se trabalhava nesse dia. Havia sempre muitos padres a confessar. No fim do almoço almoçavam em casa do Senhor Padre. Na visita Pascal havia sempre um casal em cada lugar que dava o almoço ao padre. Havia mais participação das pessoas.
Antigamente havia muito mais devoção, mesmo na forma como as celebrações eram preparadas. As pessoas dizem “vou-me confessar para quê? Os que lá vão ainda são piores que eu?...”
MB – Nas celebrações eu é que tinha de preparar tudo. Quando o padre chegava à igreja eu tinha tudo preparadinho. E estava presente nas celebrações todas.
AF – Na Quaresma havia várias vezes a Via Sacra: às segundas, quartas e sextas à noite, e ao Domingo à tarde. Havia 4 vezes por semana, e agora é só uma vez por semana. A sexta-feira Santa era o grande dia. A igreja enchia com muita gente.
MF – Nesse dia havia muitos padres nas celebrações. Eram sempre sete ou oito. Punha-se uma urna no centro da igreja, coberta com um pano preto por cima, e com umas velas ao lado. E o padres faziam as orações (em latim) à volta da urna. Era bonito.
AF – Também havia a Procissão do Enterro. E depois da procissão, na igreja o pregador subia para o púlpito e a certa altura fazia desenrolar um pano com o rosto de Cristo (Santo Sudário), e punha-se a Nossa Senhora das Dores ali ao perto do púlpito a olhar o rosto do filho morto. Isto comovia as pessoas. Havia mais piedade e devoção.
NC – E a Visita Pascal?...
MB – A Visita Pascal (ou as Boas Festas) era feita numa semana, durante todos os dias, e durante o dia. Em vez de amêndoas dava-se confeitos. Quando via a garotada o senhor padre agarrava numa macheia de confeitos e mandava-os pela casa além para os cachopos correrem atrás a apanhá-los.
AF – Como a volta era feita durante o dia as pessoas não iam trabalhar. Praticamente toda a gente nesse dia ficava em casa. Havia sempre alguém em casa para abrir a porta. E nunca ficava só uma pessoa. Agora alguns nem abrem a porta.
NC – Acha que as pessoas já não vivem as celebrações pascais como antigamente?
AF – Antigamente as pessoas viviam estas celebrações com mais piedade. Hoje há menos devoção. Hoje é “se for fui, se não for não fui. Se estou estou, senão estou não estou”.
NC – Sente que o povo desta paróquia tem uma fé viva, ou cada vez as pessoas se sentem menos implicadas com a religião?
AF – Hoje há menos gente a participar nas missas. Acho também que há menos sensibilidade, que as pessoas têm menos respeito pelas coisas. Fala-se muito na missa. Acaba-se a missa começa logo tudo a falar.
NC – Que balanço fazem da freguesia nos últimos 10 anos? Acham que a freguesia desenvolveu ou não? Houve alguma evolução desde que a Caranguejeira passou a ser vila?
AF – Ao nível do comércio tem evoluído. Há mais industrias que antigamente e as pessoas vivem em melhores condições. Mas nos últimos anos não se tem visto grandes mudanças. Tem-se ouvido as pessoas a falar que a junta de freguesia não tem feito nada. E nós só vemos é buracos nas estradas por aí. A freguesia passou a ser vila mas pouco ou nada mudou. Há por aí alguns passeios na estrada mas poucos e tão altos que nós (os mais velhos) queremos subir e não somos capazes. Mas havia de haver mais passeios e em mais lados. E depois vêm estas pessoas que estacionam os carros em cima dos passeios e nós queremos passar temos de ir pelo meio da estrada! Há muita falta de estacionamento. Eu tenho olhado muita vez para aquele espaço em frente à Junta e pergunto porque é que não fazem ali um parque? Acho que há muito por fazer aqui na freguesia e ninguém faz.
MB – Podiam fazer muita coisa aqui na freguesia. Promessas há muitas. Mas ninguém sabe porque é que não se faz nada.
NC – O que pensa que é mais necessário na freguesia?
MB – O que cá mais faz falta é um Posto da Polícia, os Bombeiros,…
AF – … E tirar os carros dos passeios, e fazer ali um muro ao pé do cruzamento (junto à oficina de motorizadas) pois quando há muito transito temos de nos chegar tão à bordinha que temos medo de cair lá para baixo. Aquilo ali é muito perigoso.
Há muita falta de empenho das pessoas da Junta de Freguesia. Pensam mais no trabalho deles do que na Junta. Deviam de ter mais tempo para o povo. Se não tinham tempo não tivessem ido para lá, não se tinham candidatado. Têm muito trabalho na sua vida particular e depois deixam o resto para trás. Quem muito burro toca algum há-de ficar para trás. O.M.